Tuesday, April 10, 2012

(hoje, enquanto dormiam)



Hoje, enquanto dormias, andei pelos telhados de outra cidade. Falei com leões de asas feitas de pedra e tropecei várias vezes em anjos e gárgulas com mais de duzentos anos (pedi-lhes desculpa, como é evidente). Havia o céu, azul, como num postal, que cheirava a laranjas e a almoço. Miúdas, as pessoas viviam lá em baixo, não se atrevendo a voar como gatos porque a maioria das casas estão em risco de ruir. Mas sulcos, texturas, padrões, a todos vi de lá de cima, deixando-me descansar em cada ponte que as minhas olheiras encontravam, para depois tos mostrar.

A água doce dos canais e lagunas talvez abriguem nereides ou fantasmas. Passeiam-se por entre colunas de madeira e pedra, debaixo de água, certamente à espera que caiam moedas incautas para poderem comprar bilhetes de barco e irem vadiar para outros sítios. Vi-as quando espreitei para os túneis, de cabeça para baixo e de atacadores desapertados, o que provavelmente pouca credibilidade terá.


Arcos, abóbadas, mosaicos, relevos gravados em filigrana, flores penduradas nas varandas (vermelhas, as flores, e roxas), tinta a descascar.

Nas oficinas, vidro, papel e telas a ser trabalhados.

Contei
centenas
de
degraus
até desistir.

De meia em meia hora, um campanário murmurava e as ruas ficavam atentas. (No telhado onde estava, prendia a respiração.)

Numa das vezes em que quase desci, um martelo estava na mão de um homem e desfigurava a estátua de um santo. Perguntei-lhe porque o fazia, bem alto. Mas não sabia, ou não quis dizer. Por isso, apanhei um pedaço de estuque que andava por ali caído e atirei-lho.

Tive de me retirar muito apressadamente.