Saturday, November 13, 2010

http://chocolatesinquietos.blogspot.com/

um Projecto com Juli <3
(este post é um 3-em-1: desenho + link de projecto novo + escrita :D )

Wednesday, November 10, 2010

a caixa de música

Ele tinha uma caixa de música, daquelas antigas, das que aparecem em histórias.
E, todas as noites, ele ia para perto da única janela que tinha…

Não, não a única janela que tinha.

… Ele ia para perto da única janela por onde a luz de prata da lua se atrevia a entrar às escondidas, e dava corda ao pequeno mecanismo.

E, todas as noites, uma bailarina de asas negras dançava na sua mente, a pele dela tão branca como alabastro e os olhos tão verdes quanto folhas tecidas a partir de esmeraldas, e o cabelo liso, cor de ébano.

E tudo ficava silêncio, quietude, senão a música. As sombras moviam-se mais devagar dentro do quarto. Os livros já não queriam ser lidos. E até os relógios da condenação hesitavam na sua marcha de heresia. Para escutar, ler, a história que ele trazia dentro de si. E a história dele…

A história dele tinha tapetes imensos de neve / era atapetada por mantos imensos de neve beijados por pegadas de seres desconhecidos e castelos sombrios, majestosos, cheios de mistérios e de passagens secretas, depositados em encostas e florestas cobertas dessa mesma neve.

E a história dele tinha frio mas o cheiro a pele aquecida pelo sol e pela terra era o seu.

E lobos de grandes olhos castanhos e tristes vadiavam, na sua história, em liberdade, com vozes em ecos de solidão.

E sereias esquecidas velavam, doces, o sono dos adormecidos, de lábios pálidos e garras compridas no lugar das unhas, para arranhar a alma de quem o merecesse.

E a estátua, as estátuas, habitavam também a frialdade da sua história. Estátuas de formas humanas e de gestos suspensos, algumas caídas em abismos, por distracção ou por desgraça, e cidades inteiras repletas delas.
Algumas até asas tinham. Outras, as haviam possuído, outrora, cacos e ruínas agora, desfeitas e estaladas e tolhidas e quebradas, inertes e descuidadamente espalhadas pelo chão.

E na história dele, diz-se, estrelas sorriam e faziam caretas, mas somente quando lhes apetecia ou quando se sentiam mesmo muito ensonadas.

E a bailarina, de olhos verdes como esmeraldas e pele branca de alabastro e cabelos de ébano, dançando ao som da pequena caixa de música, não tocava no chão, como um fantasma, apesar de já ter ouvido aquela história centenas de vezes.

Assim eram as noites, feitas de saudade e de frio e de lábios negros por beijar.

Até que, um dia, diz-se, (da sua mente) ele se esqueceu de voltar.

Repousa, jaz, diz-se, também ele, numa dessas cidades, tão suas, de criaturas petrificadas, suspensas.

E a bailarina não mais habita na sua memória mas, sim, num qualquer canto do seu esquecido e velho coração.
Para sempre.

Ao som de uma melodia de caixa beijada por luares de prata e de memórias faminta.